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A parábola do ladrão

São as fotos, os teus olhos, leitor. Se não fossem elas, não me acreditarias. Passo a contar, então, como tudo se deu:

Mal saí do hotel e vi a multidão, sequer sabia que em Parauapebas vivia tanta gente. Pensei: assembléia popular, festa da padroeira, fim do mundo… era um povo reunido que cochichava sobre sabia lá o que. Fui tentando juntar as vozes: uns diziam dum tiro, outros duma moto. Concluí: ou alguém morreu de tiro ou alguém morreu de acidente de moto, estão todos ali a rodear o corpo. Corpo estendido no chão em cidade grande já é quase ponto turístico, em cidade pequena então… Fui lá ver, passei pela multidão: cença, com sua permissão, tenquiu. Cheguei e vi: era um sujeito sentado no chão com cara de tá bom, eu roubei. Aí, reconstituí o fato: o cabra tentou roubar a moto, a polícia chegou e deu tiro pro alto. Pronto, tava pego. Do lado dele, tavam dois fardados: um com cara de bonzim e outro com cara de mau. O com cara de mau falava: todo mundo aqui tinha que te dar muita porrada pra cê aprender. O polícia com cara de bom, era um irmãozim da Bléia e dizia pr’outro: pare com isso, o castigo cabe a Deus. E ficaram nessa dúvida: se leva o ladrão ou se lhe dá uns cascudos antes? E o povo a gritar: crucifica-o! Afinal, é a moto o transporte mais comum de Parauapebas e a prática não podia virar costumeira. Foi quando o irmãozim da Bléia teve um estalo de idéia, se alembrou do que aprendeu dada vez na igreja e tomou a frente da multidão: Irmãos, estamos aqui diante de uma pessoa que errou, é bem verdade… (fez-se silêncio), mas queria lembrar vocês de uma coisa (a multidão, furiosa, catava pedras e paralelepípedos do chão), aquele, meus irmãos, aquele que nunca roubou uma moto que atire a primeira pedra. Dita as palavras assim, arrumadas nesta ordem, começou a enxurrada, que nem chuva de aerólitos, todo mundo a tacar pedra no cabra. Os policiais tomaram os braços do sujeito, lhe meteram no carro e saíram em disparada. E o policial da Bléia pensou: onde foi que errei? – esta parte final, leitor, já não posso provar, pois, nem eu, lembro mais direito. Corri na hora das pedradas e não pude fotografar, aí descobri que as fotos, além dos teus olhos, são os inibidores da minha memória que vai além quando elas não estão.

Antunes – Canaã dos Carajás, 28 de setembro de 2009

Povo se junta: assembléia popular? festa da padroeira? fim do mundo?...

Povo se junta: assembléia popular? festa da padroeira? fim do mundo?...

É o Tripa Seca de Parauapebas.

É o Tripa Seca de Parauapebas.

Belém, um pomar

Quando voltei para o Rio de Janeiro da viagem de São José do Rio Preto levou-me pra casa um taxista que defendeu uma curiosa tese: Sabe toda essa área aqui da Glória, do Flamengo?…  essa região aqui do aterro… pois então, toda ela deveria ser um pomar, imagine que bonito, as famílias passeando num lugar arborizado, pegando frutas, comendo, ia ser outra coisa isso aqui. Dias depois, fui a Belém e me lembrei do taxista: toda a cidade está repleta de mangueiras. Andando por ali, encontramos mangas mais que amadurecidas caídas pela calçada que servem de diversão para os mosquitos. Os mendigos, vários em Belém, também são apreciadores das mangueiras. É a solução econômico-social pra fome!, dizem alguns. Outros acham que as mangueiras são quase humanas: elas têm vida também, como nós, e são centenárias… Há, ainda, aqueles que evocam as mangas como patrimônio histórico: sabe há quanto tempo essas mangueiras estão aí? Não? Nem eu! São antigas demais, rapaz, são parte da nossa história. Como dizem, nem Cristo é unânime, então não podem ser as mangueiras: algumas pessoas simplesmente querem arrancá-las desde a raiz, odeiam mangas, tornaram-se alérgicas, deixaram de consumi-las, não podem sequer vê-las, tampouco respira-las. Por quê? Os motivos são muitos: ingênuas mangas levaram a senhora da Nazaré, nº52 , para o hospital após terem caído sobre a sua cabeça; o Pinscher de Fátima, que com Deus esteja, teve seu caminho interrompido por uma manga; e quantos carros já não foram sujos, amassados, quebrados por causa das mangas? Parecerá mentira e não acreditará, mas, ainda assim, ousarei falar: há, em Belém, um seguro feito pra proteger os carros contra as mangadas. Ou seja, feito o seguro você poderá estacionar, sem medo, à sombra duma frondosa árvore. Concluo, então, embasado na experiência do taxista: quando sonhamos com algo, em algum lugar torna-se real. Só não sei se ele gostaria de estacionar seu taxi sob alguma mangueira de Belém. Talvez seja melhor que os sonhos sejam sonhos e que a realidade seja realidade.

Antunes – Carajás, 23 de setembro de 2009.

Madrugadoras avenidas de Belém

Mal dormi em Belém. Mais importante era conhecer aquela cidade em que passaria menos de um dia. Levantei-me às 4:30 da manhã. Sorte: logo ao descer consegui um mapa da cidade na recepção do estranho hotel. Era ainda madrugada e eu já caminhava pelas ruas. Saí junto com o sol para acordarmos as avenidas. Segui pela Nazaré, fazendo o caminho inverso do Círio. Cheguei ao Teatro da Paz, ainda havia penumbras. Desci pelas ruas, refazendo o caminho e fui ter na Praça Batista Campos, imenso viveiro. Suas aves cantam estridentemente, são não mais cantoras, são aves gritantes, ouve-se um som similar quando se adentra o zoológico da Quinta da Boa Vista. Continuo meu percurso, driblo os mendigos, os papelões, as sujeiras. Belém tem todos os males de uma cidade grande e talvez não tenha os benefícios de uma. Chego à Basílica de Nazaré, requinte do destino: tocam os sinos, são sete horas. Começa a missa, assisto seu início, tiro fotos. Volto às ruas, aos paralelepípedos, às poças de urina, ao sol. Passo pelo shopping Iguatemi  e caminho até a Igreja da Sé. Abençoado, toca novamente o sino, são 8h: as casas são brancas, a igreja é branca, há flores que não são brancas. É um bonito lugar, dali sai o Círio de Nazaré a caminhar até a Basílica de Nazaré. Contam-me histórias: em dia de procissão às duas horas da manhã já há gente na rua a segurar a corda que se estende até a Santa, ocorrem desmaios, desentendimentos, choros… sigo, sem chorar. Vejo que o céu está tomado por urubus, faço uma pausa no forte e, novamente , sigo. Sigo os urubus, até que um deles pousa sobre um barco. Chegara ao Ver o Peso.

Antunes – Parauapebas, 21 de setembro de 2009.

O mapa.

O mapa.

O Teatro da Paz, ainda de madrugada

O Teatro da Paz, ainda de madrugada

Praça Batista Campos

Praça Batista Campos, morada de pássaros.

Basílica de Nazaré, onde chega o Círio.

Basílica de Nazaré, onde chega o Círio.

Igreja da Sé, de onde sai o Círio.

Igreja da Sé, de onde sai o Círio.

Quarto de Sade ou quarto de Alice?

Cheguei ao hotel de Belém já daria meia noite e não começo, assim, uma história de terror, embora pudesse ser. Senhor, informamos que os quartos executivos estão todos ocupados, vamos transferi-lo para um quarto de melhor qualidade. Pensei cá comigo: dei-me bem, porém até agora me pergunto: onde fui parar, num quarto de Sade ou num quarto de Alice?

O número era 503 que, como é de se imaginar, tinha, ao lado, o 502. Abri a porta e deparei-me com duas camas de casal. Mas, porque motivos tão nobres me recepcionariam assim? Afinal, sou um e magro, uma cama de solteiro, quando não um sofá, já me bastaria. Pensei que o quarto deveria, em outras ocasiões, ser palco de noites bacantes, com orgias dionisíacas regadas a muito vinho, quando não champanhe . Pensei melhor, talvez fossem, ali, necessárias para atender clientes com grande índice de obesidade que juntariam as camas para se abrigar e enfrentar a lei da gravidade sobre oito pés.  Percebi que no quarto estavam quatorze travesseiros e imaginei casais desnudos guerreando-se com aqueles objetos de pena, a ver quem ganharia na batalha algum amor. Porém, repensei e reimaginei, que talvez os travesseiros fossem para fazer companhia àqueles que chegam solitários, como eu, talvez apenas cumprissem a missão de ocupar o tanto de cama que não poderia simplesmente ficar vazio. À frente d’uma das camas, entretanto, novo mistério e o maior deles: a porta verde. No meio do quarto, como poesia, sem objetivo algum encontrei uma porta. Mas, logo vi que não era tão poética e que deveria ter suas finalidades. Abri-a e encontrei outra porta. Uma porta que quando se abre dá pra outra. Então tive a certeza que era para integrar o quarto com o 502 e, assim, não só compor um quarto de Calígula, mas toda a Roma, toda a Grécia juntas a unir infinitos casais em festas que não acreditamos que realmente existam. Porém, logo desfiz minhas certezas, imaginei que eram portas como as de Alice que sempre levavam a um novo caminho, a uma nova porta e que tudo aquilo, quem sabe, fosse uma grande metáfora da vida que o arquiteto que projetou o hotel quis esculpir.  Fui até o banheiro para lavar o rosto e despertar de tantas ambigüidades e deparei-me com um chuveiro que caía dentro de uma banheira. Seria um plano devasso para obrigar que todos se banhassem naquelas águas de Afrodite, mesmo os avessos à banheira, ou seria apenas um despropósito infantil para que todos levassem seus patinhos para o chuveiro e passassem ali, dias e noites, a brincar no sem sentido das horas?

Não me restou tempo para descobrir se estive em um quarto de Sade ou em um quarto de Alice, passei ali apenas uma breve noite em que dormi apenas quatro horas. Quiçá eu tenha estado nos dois, se é que só há essas duas possibilidades.

Antunes – 20 de outubro de 2009 – Parauapebas

As duas camas de casal

As duas camas de casal

Uma porta dentro da porta

Uma porta dentro da porta

Só é possível tomar banho de banheira.

Só é possível tomar banho de banheira.

MBA em aeroportuária

Professora: TAM

Carga horária: 7 horas

Local: Aracaju, Recife, Fortaleza, São Luís e Belém.

Objetivo: Estudar os aeroportos da região Nordeste e Norte.

Valor: Bolsa adquirida através do SENAC-RJ.

Ementa do curso:

O discente adquirirá habilidades em embarque e desembarque de aviões, enfrentamento de turbulências, memorização dos avisos de segurança, domínio de procedimentos de queda em terra, queda em água e incêndio, utilização de bagageiro e especialização em paisagens aéreas diurnas e noturnas.

Relatório de conclusão do curso do sr. Antunes:

Dedicatória

Dedico este trabalho ao meu pai que pagou meus estudos, à minha mãe que lava minha roupa, à minha irmã porque também é parente próximo e à minha noiva que me atura todo dia e ainda lê meu blog e diz que é bom.

Epígrafe

É um pássaro? É um avião? Não, é o Superman
(Revistinha do Superman)

Além dos olhos, teve-se como orientador deste trabalho o Airbus A320 da TAM que realizou o vôo número 3892 cuja rota foi Aracaju-Manaus, porém, para esta investigação, far-se-á necessário tão-somente acompanhá-lo até Belém, podendo ser a rota completa um possível tema para um futuro doutoramento.

O aeroporto de Aracaju apresenta para seus passageiros uma bela vista na chegada e não tão bela na saída, o que, embasadamente, pode-se verificar que não o diminui. Cito: “a primeira impressão é a que fica.” (POPULAR, Dito).

Recife possui um aeroporto rodeado por pequenas casas e excelente segurança. Pôde-se constatar a atuação dos oficiais de segurança no combate a um terrorista português. Lê-se abaixo o testemunho colhido a partir do comandante da aeronave:

Senhoras e senhores, informamos que permaneceremos mais alguns minutos parados porque um passageiro deixou sua mala no avião e não embarcou. Segundo as normas de segurança dos aeroportos brasileiros, qualquer bagagem só pode ser transportada se acompanhada de seu dono. Desculpe-nos o transtorno e obrigado.

Em Fortaleza constatou-se que, como em outras regiões, o céu, à noite, escurece, o que dificulta comentários paisagísticos daqui por diante. Passa-se, então, a disponibilizar dados que comprovam a corrente teórica que defende que os avião realmente voam e rápido. Segundo o comandante que estava a bordo, ao iniciar o processo de aterrissagem, o avião estava  a 7.898 metros e a uma velocidade de 743 km.

Como já mencionado anteriormente, devido a dificuldades fisiológicas, pois diferente dos gatos não fui projetado para ver no escuro, passa-se a listar alguns pontos descobertos através desta investigação tanto empírica quanto teórica:

1 – A descarga do vaso sanitário de um avião faz mais barulho que suas turbinas.

2 – É possível aprender inglês no avião associando as mensagens dadas em português e repetidas em língua britânica.

3 – Todas as aeromoças são bonitas, inclusive as feias.

Conclui-se e constata-se, assim,  graças ao empirismo e ao olhar exclusivamente científico e imparcial, após 7 horas de atuação em campo, ou melhor, em ar, que voar é um tanto enfadonho quando não se é um pássaro.

Antunes – Parauapebas – 19 de setembro de 2009

Aeroporto de Recife - ainda de dia.

Aeroporto de Recife - ainda de dia.

Aeroporto de Fortaleza - de noite

Aeroporto de Fortaleza - de noite

Mascarados estilo ficção científica limpam o avião.

Mascarados estilo ficção científica limpam o avião.

A privada do avião é mais barulhenta que sua turbina.

A privada do avião é mais barulhenta que sua turbina.