Fortaleza estava vazia como nós. Era páscoa e o profeta havia ressuscitado louco. Falava palavras sem sentido como a vida. Na cidade grande, ninguém ouve ninguém e todo profeta contemporâneo bem-sucedido tem que ter um lado cibernético. O louco à minha frente era apenas um Antônio Conselheiro entre o cimento, um Padim Ciço com calça jeans e cheiro de fumaça. Um teísta que crê além-Mamom. Milagreiro que faz a conversão da água em mijo. O sertão não vai virar mar e o mar jamais virará sertão! Prega para o mar, mas o mar não ouve. Prega para a areia, mas a areia não ouve. Prega para as árvores, mas as árvores não ouvem. Prega para as pessoas, mas as pessoas não ouvem. Ouvir é um ato exclusivamente humano. Areia, árvores, pessoas não ouvem. Só o profeta é humano, por isso ele fala: pra se escutar, pra salvar sua alma em plena orla de Mucuripe.
– Que se salve. Segui meu caminho aguardando meu inferno.
Antunes
Fortaleza, 26 de maio de 2011
Oi, Vinícius! Li esse texto sobre o profeta ontem, junto com o dos insetos, mas a correria do trabalho me impediu de comentar. Os dois fazem um contraste interessante de poesia e humor bem brasileiros. Você nasceu mesmo pra ser escritor. Parabéns!
Éh! Até os profetas têm que estar à beira da modernidade… como se os mistérios das revelações não tivessem mais importância alguma…
Gostei de vir aqui, pelo seu canto.
Abraços
Há quem diga que area, mar e árvore são capazes de ouvir, muitos ainda afirmam que são capazes de falar. Mas as pessoas realmente não ouvem, nem a elas mesmas.