“Pues no es vergüenza ser pobre
y es vergüenza ser ladrón.”
(HERNANDÉZ, Martín Fierro)
“Vergonha é roubar e não poder carregar” (Dito popular brasileiro)
Parece seguro andar pelas ruas da Argentina, amado leitor. Não vi ninguém portando fuzil, 38, espingarda de chumbinho ou estilingue que fosse. A arma dos argentinos é a mesma de Gama contra Adamastor na epopéia camoniana: a palavra! Los hermanos não roubam, eles pedem. Afinal, pedir não é vergonha, pelo menos lá. Dizem que a moda foi lançada por Menem e rebuscada pelos Kirschner. Sendo assim, se você não quer dar uma de ultrapassado: peça! Peça Peso, peça Real, peça gorjeta, peça aperto de mão, peça beijo, peça abraço! O negócio é pedir e assumir a bancarrota!
Se você acha este hábito estranho, é porque se deixou moldar por esta sociedade totalitária. Pedir, na verdade, é costume pueril, intrínseco aos seres humanos. Voltemos no tempo: quando crianças pedimos dinheiro ao pai, brinquedo à mãe, comida à vó, cachaça ao vô, salgado na porta da cantina pro amigo, nota pra professora… e ainda conservamos hábitos na fase adulta: pedir aumento, pedir emprestado, pedir presente, pedir atenção… Somos eternos carentes e felizes apenas quando ganhamos ao pedir. Afinal, quer maior prazer que o de ganhar inteiramente de graça? Quem não vibra ao achar um dinheirim caído na calçada, nota de 50 perdida no bolso do paletó, chiclete esquecido na mochila?
A Argentina é um país tão prafrentão que seus mendigos não são como os brasileiros. Há, em Buenos Aires, uma elite social e intelectual mendiga e pedinte. Andando pelas ruas, pode-se ser abordado por velhinhas com cara de cheirosas vovós que pedem “um rrreal, por fabor”; por adolescentes de discman que pedem uns trocadinhos; por atarefados mendigos de paletó que falam ao celular. No auge do gozo estético-intelectual, é possível acompanhar debates de calorosos mendigos racionalistas que discutem na praça sobre a razão pura ou com adoçante e a epistemologia do nada em si. Mas, não ache que isto é o fim do mundo. Se você é um tradicionalista, lá também encontrará os clássicos mendigos sujos e totalmente sem posses, ou aqueles mais caricaturais que levam guarda-chuvas e dormem abraçados a melões. Mas, esteja atento, afinal, você é elite em Buenos Aires e muito provavelmente não reparará que há mendigos e, se reparar, quiçá seja pra exclamar: Viva o Brasil, estamos melhor ao menos que os hermanos!
Antunes
Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 2010