“Achava que dentro de um critério estrito todo remédio era veneno, e que setenta por cento dos alimentos correntes apressavam a morte.”
(Gabriel García Marquez em O Amor nos Tempos do Cólera)
Há uma música do uruguaio Daniel Viglietti que traz o paradoxo: “Me matan si no trabajo, y si trabajo me matan.” Faço a adaptação: “Me mato si no como y si como me mato”. Este é o paradoxo que quero. Comer é algo que sempre nos faz mal, caso exerçamos ou não o verbo. Quiçá, então, o melhor seja morrer comendo ou morrer de tanto comer, visto que pelo menos traz algum prazer. E, para envenenar-se, a Colômbia, especificamente Barranquilla é um paraíso. Um costume de nossos vizinhos é a mistura de carnes: frango, boi e porco num mesmo prato. Outra tradição barranquillera é a fritura. Tudo, praticamente tudo, em Barranquilla é frito. Por exemplo, o lanche da tarde no intervalo do trabalho era bolinho de aipim. No café da manhã, nada de pãozinho com manteiga, o bom era carne de porco e frango! Porém, o deus da mesa é o café. El cafecito colombiano é motivo de orgulho nacional. Andando de taxi, meu motorista parou no posto para que tomássemos um café, pois julgava que eu não poderia sair da Colômbia sem tomá-lo. Só que, eu já tinha tomado tantas vezes, pois todos julgavam como ele e queriam me empurrar café pelas goelas abaixo com uma rivalidade futebolística: “Depués que lo tomes no quererás más el de Brasil.” Tornei à terra do feijão com arroz, continuo viciado no café brasileiro, pouco tempo fiquei em Barranquilla, mas trago comigo a certeza de que quando eu morra, ela terá sido uma das principais responsáveis.
Antunes
Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2011