…quando a alma se desprende? A gente deixa sempre presença no mundo, nos outros. É o que fica, o resto evapora. (DOURADO, Autran. Ópera dos Mortos)
A única certeza que temos, dizem, é que morreremos. Duvido um pouco desta certeza, visto que nunca morri e não posso garantir que todas as pessoas que estão vivas morrerão. Porém, se a lógica continuar a mesma, é bem provável que isto aconteça. Sei que todos os homens que ergueram os principais prédios das cidades pelas quais passei já morreram e eu, que tento reerguê-los em palavras, provavelmente, morrerei, é triste, mas é o que especulam. E ficará a graça destas frases vãs até que já não restem olhos para lê-las, como ficaram as lápides nos cemitérios históricos. E tantos já morreram, que já não sabemos mais onde ocultar os corpos: há corpos pelo chão das igrejas, pelos jardins e amanhã haverá corpos nas paredes, nos tetos e no ar que respiramos. E, todo ar que respiramos já não está repleto dos que se foram? Há tempos já não podemos viver sem passado.
Antunes
Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 2010