A verdade sob mim

As pessoas estão lá embaixo. Vejo uma senhora com sua bolsa de couro, um menino que rouba, um garçom com um guardanapo sobre seu antebraço. Vamos descer, Priscila. Falei à tutora do Banco do Nordeste que trabalhava comigo. Não havia caminhos dignos de um acrófobo: ou novamente beirávamos o umbral ou atravessávamos a passarela vermelha.

Antes, estávamos sentados à mesa de um bar na falsa Lapa que é o Dragão do Mar. Pedimos uma pizza e a tutora me contava de seu marido acrófobo. Triste coincidência, pois eu como acrófobo podia entender a ele melhor que a ela com seus dramas de mulher casada com um marido que não atravessa passarelas, não vai a lugares altos e se dopa para andar de avião. Pensei em minha esposa, se não estaria nesta mesma hora ao lado de uma amiga ou amigo a contar as vergonhas de seu marido acrófobo.

Quanta ironia. Após este compartilhar de histórias, achei que momentaneamente poderia enfrentar o Dragão e subi como se o único marido acrófobo do mundo fosse o das conversas. Quando as primeiras gotas geladas de suor escorreram pela testa, falei: Priscila, vou apoiar-me em seu ombro, não se assuste. Andamos até próximo a passarela vermelha e o planetário estava vertiginoso, a estátua de Patativa do Assaré trêmula, os bares pareciam pintados por um plagiador de Munch. Bem baixinho mesmo, o cinza do chão cochichava meu nome… aos poucos aumentava a voz e vinha gritar no interior de minha cabeça. Abaixo estava o princípio e o fim de tudo: minha banheira de infância, meu chuveiro de casa, os braços de minha avó, os braços de minha esposa, a porta de minha escola, a porta de meu trabalho.

– Vinícius! Vinícius! – Era a Priscila – Vinícius, pode soltar meu ombro, já estamos no chão.

Antunes
Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2011

Este aí é o Dragão do Mar, sujeito que deu nome ao Centro Cultural

Placa aos pés do Dragão do Mar

A arquitetura moderna do Dragão do Mar...

...e sua arquitetura que busca também o antigo e tenta ser uma outra Lapa

Os Barezinhos do Dragão do Mar

"Nunca pensei em morrer/ Quem morre cumpre um dever./ Quando chegar o meu fim / Eu sei que a terra me come, /Mas fica vivo o meu nome / Para os que gostam de mim” (Patativa do Assaré)

4 Respostas para “A verdade sob mim

  1. Oi, Vinícius! Já vi fotos suas em lugares altos e sei que viaja muito de avião. Você não se deixa paralisar. É isso que importa. Meu marido também tinha medo de altura, mas foi se acostumando aos poucos e agora até voa. Quando a gente insiste, a fobia desiste. Beijos pra você e pra Nôla!

  2. Meu pai é um acrófobo e lembro que quando criança fomos no Corcovado e a agonia dele era tanta que teve que ir embora antes da gente! haha

    Eu tenho um medinho, mas acho que chega a ser acrofobia.

  3. Vinícius,
    gostei demais do seu blog! É muito bom ver por aí pessoas viajadas e que escrevem tão bem – com um estilo próprio.
    Vou fuçar mais o seu blog pra procurar outras viagens interessantes!

    Bruna

  4. Vinícius,
    e ai? gostou de Fortaleza? Visitou as tapioqueiras? Se não, tem voltar e ir lá!
    Gostei do seu blog, voltarei.

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