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Praia do Camburi, um retrato

A Praia do Camburi é longa: 6km. Andei boa parte dela. É praia, mas não chega a ser bonita. Sua areia parece farinha de rosca: grossa e escura. Tem coqueiro. Lembra, de longe – bem longe -, o Rio de Janeiro. A orla conta com muitos caminhantes, andarilhos, bicicleteiros e comigo tirando fotos e buscando algo qualquer – bem qualquer – pra escrever. Uma surpresa: pousado na areia, um gavião. Imagem incomum no imaginário que tenho de praia (conseguiu fugir do meu flash, devo essa). Falando em imagens incomuns dentro do comum, a Praia do Camburi lembra, pelo formato, a Baía de Guanabara, mas não só por isso: é possível ver, na outra ponta, Tubarão (calma, leitor, me refiro ao Porto de Tubarão). Isso nos garante que a praia é bem suja, estilo bonitinha, mas ordinária. Ainda na orla, vários quiosques que oferecem um peixinho bom de comer e salgadinho no preço.

Camburi será, por uma semana, mais que uma praia, será um quadro no meu quarto de hotel. Toda vez que eu acordar e olhar pra parede, ali estará ela.

Antunes
Vitória, 15 de dezembro de 2009

A praia de Camburi na parede do quarto 307

Vasco entre palmeiras. Sacou? Heim? Heim?

Farinha de rosca com infinitas conchas

Tubarão, estilim Baía de Guanabara.

Lugar de caminhantes, andarilhos, bicicleteiros e escrevedores rasteiros.

Um Peruá com a boca cheia de farinha ou seria areia? Mórbido cozinheiro!

Ver o peso

Como fosse um cenário de Moby Dick, Popeye ou dos Velhos Marinheiros de Jorge Amado. Navego entre os marujos, pelos rios de caldo de peixe que escorrem das bancadas. Vejo pousar sobre um barco o urubu que seguira, atrás está o mercado Ver o peso. Homens, urubus, barcos, peixes sem diferenciar-se, são um. Ali, todos são um pouco homens, urubus, barcos e peixes: todos conhecem a dor, a carniça, os rios navegáveis, o anzol… são barcos humanos, peixes urubus. Convidado pelo mistério, entro. Vejo multidões de peixeiros que estripam peixes imensos, exibem-nos para os compradores. O cheiro podre não afasta a fome: atiça-a. Mareado, como um inexperiente no mar, estômago embrulhado, saio do convés para perder-me entre as curvas, traços e cores marajoaras: são os artesanatos: suas formas arredondadas misturam o técnico com o divino, são jarros abençoados a marrons, assinalados com verde, enfeitados ao vermelho. Há calor e o rio deixa o ambiente mais úmido, parece que se sua dobrado. Peço um suco qualquer, um que a senhora ache que represente o Pará, não serve de cupuaçu, algo que não seja tão conhecido. O bacuri. Olho a foto do fruto: lembra um rústico abacate. Seu suco parece uma massa de pão refrescante, é bom, mas é desconfortável nos primeiros instantes. Gelado, mata o calor. Denso, mata a fome. Acaba o bacuri, recomeço a caminhada como se fosse, agora, um Simbad. Passo por gaiolas de animais: coelhos, frangos, patos. Encontro figuras que carregam o peso de típica: as descascadoras de castanha. Sentam-se em pobres bancos, facas às mãos e a cada segundo se movimentam fatais como os relógios. Passam o dia a descascar a castanha do Pará. Quem queira, descascam na hora. Não cobram barato como no mercado de Sergipe, já sabem de sua fama, já sabem que venderão, já sabem que compraremos. Compro: 5 Reais, meio litro de castanha. Os rios me chamam, agora os de suor, há o encontro das águas com mares de óleo e gordura que escorrem nas pias dos restaurantes. Vou até o taxi, pego-o, já não sou mais um marinheiro, há quem me conduza, sou só um passageiro, um mero turista.

Antunes – Carajás, 22 de setembro de 2009.

Urubus sobrevoam Belém na região do Ver o peso.

Urubus sobrevoam Belém na região do Ver o peso.

Urubu passeia como gente.

Urubu passeia como gente.

Barcos na frente do Ver o peso, urubu aterrissando.

Barcos na frente do Ver o peso, urubu aterrissando.

Peixeiro: estripador de peixes.

Peixeiro: estripador de peixes.

As descascadoras de castanhas.

As descascadoras de castanhas.

Batatinha: o rei da mistura.

Batatinha: o rei da mistura.

O mercado de Aracaju

Estou num lugar incrível”. Assim que cheguei ao Mercado de Aracaju mandei esta mensagem por SMS pra minha noiva. Já entrei em Feira de São Cristóvão, Mercadão de Madureira, Camelódromo da Uruguaiana e da 25 de Março, mas mesmo assim meus olhos custaram a crer. Sou apaixonado por castanha. Imagine um saco imenso, cheio delas, que nem daria pra levar na viagem. Pois é, custa apenas 15 Reais. Queria nadar-lhes como um Tio Patinhas nada em suas moedas… Meus olhos arregalavam-se a cada esquina do mercado. Carnes de boi e porco em exposição, abertas sobre bancadas ao vento, livres da vigilância sanitária. Camarões, caranguejos, peixes aromatizam parte do lugar. Há que se driblar perigosas poças. E o material mais rico do mercado é aquela gente, rindo sabe-se lá de que, da desgraça, talvez. Um povo como mercadores d’algum deserto, ávido por clientes, atencioso. Me seguiam com os olhos. Sou um estrangeiro em minha pátria, colonizador fazendo-se de vítima: Donde o sinhô é?, desculpe perguntá. Do Rio. Aaaaaaah! Em frente ao mercado, há um jumento estacionado em local proibido. Ao lado, há um Vasco que não é da Gama. Dentro, há tanta gente, tanto caju, tanta castanha, tanta música, tantos cheiros e eu, só, a me perguntar como não conhecia essa gente que é tanta e nos dizem que é tão pouca.

Antunes – no aeroporto de Aracaju – 17 de setembro de 2009.

O mercado de Aracaju visto de cima, por Deus.

O mercado de Aracaju visto de cima, por Deus.

Carnes ao vento, ivres da vigilância sanitária.

Carnes ao vento, livres da vigilância sanitária.

Jumento parado em local proibido.

Jumento parado em local proibido.

O Vasco que não é da Gama.

O Vasco que não é da Gama.