Como fosse um cenário de Moby Dick, Popeye ou dos Velhos Marinheiros de Jorge Amado. Navego entre os marujos, pelos rios de caldo de peixe que escorrem das bancadas. Vejo pousar sobre um barco o urubu que seguira, atrás está o mercado Ver o peso. Homens, urubus, barcos, peixes sem diferenciar-se, são um. Ali, todos são um pouco homens, urubus, barcos e peixes: todos conhecem a dor, a carniça, os rios navegáveis, o anzol… são barcos humanos, peixes urubus. Convidado pelo mistério, entro. Vejo multidões de peixeiros que estripam peixes imensos, exibem-nos para os compradores. O cheiro podre não afasta a fome: atiça-a. Mareado, como um inexperiente no mar, estômago embrulhado, saio do convés para perder-me entre as curvas, traços e cores marajoaras: são os artesanatos: suas formas arredondadas misturam o técnico com o divino, são jarros abençoados a marrons, assinalados com verde, enfeitados ao vermelho. Há calor e o rio deixa o ambiente mais úmido, parece que se sua dobrado. Peço um suco qualquer, um que a senhora ache que represente o Pará, não serve de cupuaçu, algo que não seja tão conhecido. O bacuri. Olho a foto do fruto: lembra um rústico abacate. Seu suco parece uma massa de pão refrescante, é bom, mas é desconfortável nos primeiros instantes. Gelado, mata o calor. Denso, mata a fome. Acaba o bacuri, recomeço a caminhada como se fosse, agora, um Simbad. Passo por gaiolas de animais: coelhos, frangos, patos. Encontro figuras que carregam o peso de típica: as descascadoras de castanha. Sentam-se em pobres bancos, facas às mãos e a cada segundo se movimentam fatais como os relógios. Passam o dia a descascar a castanha do Pará. Quem queira, descascam na hora. Não cobram barato como no mercado de Sergipe, já sabem de sua fama, já sabem que venderão, já sabem que compraremos. Compro: 5 Reais, meio litro de castanha. Os rios me chamam, agora os de suor, há o encontro das águas com mares de óleo e gordura que escorrem nas pias dos restaurantes. Vou até o taxi, pego-o, já não sou mais um marinheiro, há quem me conduza, sou só um passageiro, um mero turista.
Antunes – Carajás, 22 de setembro de 2009.
Urubus sobrevoam Belém na região do Ver o peso.
Urubu passeia como gente.
Barcos na frente do Ver o peso, urubu aterrissando.
Peixeiro: estripador de peixes.
As descascadoras de castanhas.
Batatinha: o rei da mistura.